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Uma coisa leva a outra

HENLO! Meu nome é Vivian, mas me chamam de Vivs. Tenho 26 anos, sou catarinense, e moro com amigos. Sou Lita de Florianópolis e me orgulho muito disso! Apesar de estar temporariamente sem pilotar, meu mundo é o Trail, é o de “poder ir a QUALQUER lugar” de moto. Espero que a história que contarei aqui possa inspirar alguma mulher que tá correndo atrás dos sonhos 😊 Meu diário tá divido entre [resumo] e [textão]. Fica à vontade pra ler o que preferir.


[resumo]

Em maio de 2019 eu fui de moto pra uma viagem de 2200km que era “apenas pra um concurso público”, eu me dediquei a ele, viajei, passei muito medo e percebi minha coragem. Fiz uma prova muito bem sucedida que me garantiu uma boa colocação, mas ainda não suficiente. Dois meses depois dessa viagem eu vendi minha moto. Nem todo mundo sabe disso porque eu não quis expor... Até agora. Estar sem moto me deu muito mais gás pra correr ainda mais atrás do que eu queria. Eu precisava de uma condição financeira melhor, eu precisava comprar outra moto. Até porque tive meus motivos pra vender a Tenere e tinha que honrar esses motivos (só quem já vendeu uma moto na marra sabe o quão duro é ter que fazer isso...). Alguns meses passaram, outro concurso surgiu, e esse era o MEU concurso! Eu PRECISAVA passar! Tudo o que eu havia passado até ali precisava ser vingado, eu precisava pilotar de novo. Eu fiz a prova principal (entre outras várias no mesmo período) e fiquei na agonia por duas semanas aguardando o resultado. Tudo que havia acontecido até ali – principalmente aquela viagem e a venda da minha moto - me fez chegar na aprovação. Eu fui aprovada! E o único bem material que consigo pensar até então é minha moto! Pra tudo a gente dá um jeito, quando a gente quer MESMO, a gente consegue.

Agora é questão de trabalho, tempo e paciência. O bom é sempre O Hoje, mas o melhor está por vir!

[textão]


Em 2014 eu comecei a prestar alguns concursos públicos, mas sem muita pretensão, sem muito estudo; coincidentemente foi quando também comecei a pilotar. Isso foi durante minha formação técnica em Meio Ambiente. Já em 2018, quando me formei Gestora Ambiental, resolvi ir a fundo nesse mundo de concorrência pública e vi uma oportunidade que não poderia deixar passar. Do final de 2018 a maio de 2019 estudei todos os dias a fio pra uma prova que seria muito importante e numa cidade muito distante. Desconectei-me dos “amigos” virtuais, desliguei-me do mundo por alguns meses e meti a cara no meu objetivo.

A certeza de que poderia ir fazer essa prova só veio depois do momento em que percebi que eu poderia viajar sozinha de moto pelo Brasil. O local era a 1000km da minha cidade (São José, na Grande Florianópolis), chama-se Maçambará no Rio Grande do Sul (fica a 100km de São Borja, sabe? Divisa com a Argentina). Não tem aeroporto lá... e com uma moto na garagem, não conseguia nem pensar em ir de ônibus numa viagem que deveria durar de três a quatro dias no máximo. Eu não tinha dinheiro nem coragem pra fazer essa viagem – apesar de já ter feito outras grandes viagens de moto antes – mesmo assim, estudei, pensei em como me virar com a grana e relembrei tudo o que já tinha passado na estrada. Uma hora eu decidi “é só ir, olha quantas outras mulheres estão na estrada sozinhas”.

Chegou o dia de viajar. Estava tudo pronto, inclusive a certeza de que faria uma boa prova. Nos primeiros 200km de viagem, que eram pra ser 500km até Porto Alegre, eu parei. Parei de medo frente a uma tempestade de alagar e interditar rodovia federal, foram os 200km mais lentos que fiz em rodovia asfaltada. Parei a poucos quilômetros da cidade de Criciúma, à noite, sem saber ao certo em qual quilometro eu estava, eu e mais muitos outros veículos parados, sem poder ir nem voltar. Eu tremia tanto, de frio e de medo, que não conseguia raciocinar. Olhava pro lado e via as pessoas nos carros e pensava “eles vão poder dormir no carro, eu não tenho teto, e agora?”. Foi a segunda vez que um medo me paralisou enquanto pilotando (a primeira vez é uma história a parte), mas nessa ocasião eu estava “sozinha”.

Horas depois a PRF conseguiu, enfim, começar a abrir a pista e lentamente fomos passando. Eu passei o alagamento (eu estava de Ténéré, mas tinha um cara de CG que quase não passou...) mas não sabia o que tinha mais a frente. Seguindo devagar, ainda com muita chuva, comecei a me dar conta de onde eu estava e que ali próximo tinha um posto de gasolina muito famoso nesse trecho, “Que bom!” pensei, ao lado dele tem um hotel, “É ali que vou ficar”. O hotel estava alagado, não dava pra passar pra dentro. Enfim. Fiquei horas no posto tentando me secar e pensando o que fazer, até porque eu não sabia como estava a estrada mais a frente, e não havia mais nenhum motociclista além de mim e motoristas de carros grandes no posto; muitos deles também estavam seguindo a Porto Alegre e na mesma aflição que eu. Mas eu tinha que sair dali, não podia ficar com sono e não podia dormir no posto (não levei barraca e estava completamente encharcada, eu não podia ficar doente, tinha uma prova importante pra fazer). Eu tive que encarar e sair dali até a casa de um amigo, um irmão da minha vida, o Lucas, que conseguiu me dar pouso naquela noite. Eu fui até a cidade de Criciúma sem saber se conseguiria entrar, me virando com o GPS do celular embaixo de chuva. Enfim cheguei à casa dele. Ufa! Eu consegui.

Passado esse primeiro susto, no outro dia segui a Porto Alegre, com todas as roupas ainda encharcadas e ainda chovendo. O que eram pra ser 600km no segundo dia, passaram a 900km... Eu já tinha jurado pra mim que não faria mais trechos desnecessariamente longos assim, mas quem somos nós, nossos limites e planejamentos frente a natureza, né? Passei direto de POA (onde encontraria minha amiga irmã Helena... não deu certo, mas irmãs são pra sempre, então tá tudo bem) e fui direto à divisa. Foi tranquilo, com um belo por do sol ao fim da tarde, mas com uma estrada de dar dó de tanto buraco entre São Borja e Maçambará (nessas horas eu agradeço por ter escolhido a vida de Trail/Big Trail, rsrs). Mas cheguei... Cansada, concentrada na prova que seria no dia seguinte.

Passada a tensão da prova eu segui pra viagem de volta. Mas obviamente não foi fácil, pra variar...

No mesmo dia após a prova segui até São Miguel das Missões – um dos lugares mais emocionantes que já conheci. Eu amo conhecer a história dos lugares, a antiga e a contemporânea, e o sítio arqueológico das Missões é uma das veias históricas mais importantes não só do Brasil, mas da América do Sul. Fiquei na pousada modelo do local e era um lugar completamente aconchegante; na porta do meu quarto (que foi escolhido aleatoriamente pela dona do local) havia um quadro, na realidade todos os quartos do local, que é enorme, têm isso. São quadros diferentes um do outro que exaltam a cultura Guarani. A do meu quarto era sobre ÑAMANDU, o Deus Sol. Pouquíssimas pessoas ao meu redor sabem que se há algo em que eu acredito em ser um “Deus” pra Deusa Terra, é o Sol. Mãe Pachamama, da Cultura Andina e Pai Ñamandu da Cultura Guarani. Pronto. Era isso!

Na primeira foto estou no portal de entrada de São Miguel das Missões .

Cheguei lá com o sentimento clichê de missão cumprida e pude aproveitar cada cantinho daquele lugar. Apesar de ter quase ficado sem gasolina no meio do caminho por ter contado a quilometragem errada... Acontece, e nessas horas a gente ri pra nunca mais esquecer.

Cansada e descreditada após fugir do granizo

A ideia do terceiro dia era seguir de Missões até Lages, já em Santa Catarina, e lá encontrar mais uma amiga irmã, a Cris. Fui seguindo, aproveitando o caminho que, apesar de ser cheio de caminhões estava tranquilo até então. A parada de abastecimento seria em Vacaria (RS), mas a alguns quilômetros antes de chegar na cidade me deparei com uma chuva MEDONHA de granizo. “De novo??? Mais uma vez, Mãe?” Eu não acreditava que, mais uma vez, eu me curvaria e pararia fora do planejamento. Parei no primeiro hotel de estrada que tinha, de novo encharcada e com medo das pedras que caíam (pergunto-me por que não existe capa de chuva que realmente aguente o tranco, né?). Eu não levei dinheiro de reserva; pois deveria. Pelo menos o valor de um abastecimento e uma hospedagem a mais a gente tem que ter. Quando me acalmei na hospedagem, consegui descer pra jantar e vi na TV que aquela era uma das chuvas de granizo mais “feias” que a cidade tinha passado. Na realidade, eu estava no lugar certo quando achei o hotel, não é mesmo? O pior poderia ter acontecido, mas não aconteceu. Dali precisei adiar a visita à Cris, já era tarde da noite e eu precisava dormir, pra no outro dia chegar em Florianópolis direto, sem mais paradas.


No último dia da viagem, saí cedo e me deparei com uma divisa que ainda não tinha feito, a do RS e SC no trecho Vacaria – Lages. Se eu tivesse passado por lá de noite eu não teria visto a beleza daquele lugar!

O universo é muito sábio!

No finalzinho da viagem, já no trecho entre Bom Retiro e Rancho Queimado, eu notei o quanto a natureza tinha sido voraz por ali também, árvores caídas, distorcidas, muita terra nas pistas. Imagine se eu tivesse seguido viagem enquanto passava no trecho da famosa BR282* enquanto havia uma tempestade? Não gosto nem de pensar. (*BR282 é a estrada que liga o litoral de SC ao oeste. Ela sobe e desce serra, tem muitas curvas perigosas, tem uma taxa altíssima de acidentes graves, mas também nos levas aos lugares mais lindos do estado. Quem mora por aqui sabe o terror e o amor que é a BR282.)

Eu não tirei fotos do por do sol em São Borja, nem da divisa do RS com SC, primeiro porque eu fico hipnotizada, segundo por vergonha... sim, vergonha. “O que as pessoas vão pensar: olha ali, só viaja pra tirar foto...”. Que atire a primeira pedra quem nunca sentiu isso, quem nunca ficou “trancado” na caixinha do “preciso chegar rápido”, “não posso me perder”, “o que os outros vão pensar?”. Mas uma coisa eu sei, o fato de não ter tirado essas fotos me da muita vontade de voltar a esses lugares! E é isso que vou fazer. Tentando deixar a vergonha e esse medo irracional pra trás.

De lá pra cá, muitas coisas aconteceram, inclusive a não aprovação no concurso da viagem e a venda da Dragão, minha moto. Esse período foi como um hiato, como uma chave que virou pra eu arrumar assuntos passados. Eu tive o privilégio de me sentir apoiada demais nesse hiato, eu consegui ir pra Brasília (de avião) pro Capital Moto Week e consegui ir pra Curitiba pro BMS Motorcycle (de moto emprestada do meu amigo e irmão Nando Winter). Talvez se não fossem esses eventos bem na hora em que eu recém estava sem moto, eu teria me afastado. Sem querer. Após o BMS me fechei pro mundo de novo e voltei a estudar. Ou seja, eu não passei nenhum período de mente vazia, pensando besteira. E isso foi crucial pra minha saúde mental.

Hoje, abril de 2020 em que escrevo pro diário, período tenso de COVID-19 no qual estamos todos apreensivos e com as motos guardadas na garagem, não consigo passar um dia sem agradecer. Sim. Muito receio dessa crise, mas também muito agradecimento. Tenho saúde, minha mãe e família estão seguros. Meus amigos estão conscientes. E minha prova foi feita antes desse período. Todas as fases do concurso foram concluídas antes e o resultado saiu uma semana antes do lockdown. Perdi as contas de quantos outros concursos foram cancelados ou adiados por causa da crise. Mas o meu não. [Obrigada]. Além disso, fui demitida do meu antigo emprego no SAMU (!) exatamente um mês antes de ser aprovada no concurso (tema que também daria uma boa história...), o que me deixou apenas “esperando” minha posse, com seguro desemprego alinhado e as coisas “sob controle”.


[Obrigada].

Uma coisa leva a outra. Não podendo sair – ou evitando ao máximo ir pra rua – eu fiz em casa minha primeira “reserva da moto nova”, foi pouco mas foi o início de mais um ciclo. [Obrigada].

A vida é uma avalanche de acontecimentos, aprovações e reprovações, vendas e aquisições. Uma coisa leva a outra; são ciclos. Continue, não pare.

Um beijo da Vivs :*



Ps.: Eu acho que nós mulheres podemos ir tão longe quanto nossas vontades nos guiam. Às vezes a estrada é dura, às vezes precisamos dar 2 passos pra trás pra pular 3 à frente. Às vezes precisamos nos dedicar demais ao que queremos. “Perdemos” alguns “amigos” no caminho, mas reforçamos os que ficam de verdade porque nos amam. Nesse período sem moto eu vi que realmente faço parte do movimento #ElasPilotam, porque eu ainda tô aqui! Rodando na garupa ou mesmo pilotando a moto do (então ex) namorado, de amigos e amigas queridos. Apoiando essas minhas amigas, colegas, conhecidas, de longe, de perto, do Brasil e de fora. Ainda tô na “estrada” da minha independência, pilotando o meu futuro, meu fogão, minha vida, pilotando o que eu quiser! E já já pilotando minha moto novamente. #RaiseHellBabes #DefendaSuaLiberdade

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