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The REAL iron butt

Olá você! preparada para um textão?

Pois bem! Hoje vou contar uma história que aconteceu em Março de 2019, o mês das mulheres e espero poder te inspirar um pouquinho... Bruna, muito obrigada pelo convite e oportunidade de compartilhar parte da minha estrada <3


“ - Se sua coragem negar-lhe, vá além dela.” Emily Dickinson


- Minha mãe disse que você é doida.

(Essa foi a resposta que a mãe da minha noiva me deu na véspera da prova. Na verdade, essa seria a resposta de muitas pessoas se soubessem o que iria acontecer).

Meu nome é Francis, tenho 29 anos e atualmente moro em Curitiba – PR - Brasil. Minha família não tem tradição no mundo das duas rodas, o que gerou muito medo de todos mas nada disso foi empecilho para mim. Quando tirei a habilitação AB com 18 anos convenci minha mãe de que um dia, teria uma Harley antes dos 30: simples assim. 10 anos depois realizei o sonho de liberdade: comprei minha Iron 883 – 2017, foi o início de uma jornada da qual nunca imanei fazer parte.

Vivenciar o universo Harley através da sportster é compreender que acima de tudo tem que haver paixão pois nela se encerra a essência e história do espirito custom minimalista: Carregue apenas o necessário e vá. Considerada como uma moto “de cidade” ou moto de “menina”, a maioria das pessoas acreditam que esse tipo de moto não consegue percorrer grandes distancias ou não está “à altura” de tais desafios. Até agora.


A primeira vez que ouvi o termo “Iron butt” (no bom português: bunda de ferro), foi no início de 2018 com alguns colegas e amigos do HOG chapter Curitiba que estavam se preparando para uma “prova”. Iron butt é uma associação com diversas provas de regularidade à longas distâncias. A mais conhecida é a “saddle sore 1.000” (traduzida ironicamente como: sela dolorida) consiste em percorrer 1.600 kilometros em 24 horas (a contagem oficial é em milhas). Para qualquer motociclista, é um baita desafio: daqueles que te faz gelar a espinha só em pensar no tamanho da empreitada. Fazer essa prova era algo que não havia nem cogitação: mulher, pequena (1,58 m) e com moto que mal comporta rodar 200 km em média? Que dirá 1.000 MILHAS. Além dessa primeira, já quis emendar o “Bun burner” 1.500 milhas em 36 horas. Loucura? Mas, aquilo ficou gravado na cabeça e comecei a pesquisar mais a respeito.

O tempo foi passando e com eles, quilômetros e vivências necessárias para algo maior ser conquistado, ao longo dos meses e das estradas desse Brasil onde a realidade é bem mais dura e difícil do que em outros países, onde se tem tradição de grandes distâncias. Nossas rodovias que muitas vezes contam com pista simples, buracos, às vezes com poucas informações e sinalização precária, torna a tarefa de completar esses desafios em missões quase impossíveis.

O planejamento é ponto crucial; fatores como fluxo do trânsito, estado das rodovias, pedágios, postos de gasolina 24 horas e até fuso horário terão de ser levados em consideração! Escolhi o mês de março por conta do carnaval e ser também o mês das mulheres para realiza-los.

Feriado prolongado, teria tempo de sobra para a tentativa do saddle sore 1.000 e “Bun Burner” 1.500 milhas. Para não ter problemas com trânsito, resolvi fazer o “contra-fluxo”: evitar as grandes rodovias que servem as capitais e ligam o litoral dos estados e ir em direção ao interior. Para cumprir a quilometragem exigida, passei por 4 estados: iniciei a prova em Joinville – SC, atravessei o Paraná em direção a Paranavaí (passando por Curitiba e Maringá), para seguir à Dourados, no estado do Mato Grosso do Sul, ir a Campo Grande, Três Lagoas e finalmente chegar ao estado de São Paulo para finalizar em Araçatuba. Percorrendo um total de 1.711,9 km marcado no hodômetro da moto em 22 horas e 33 minutos.


A gente pensa muito, planeja mais ainda e, chega um determinado momento que não há mais o que ser feito a não ser subir na moto e andar. É claro que dá medo, mas o que mais ouvi e li a respeito dessas aventuras é: esteja preparada para abortar a prova a qualquer momento. Foi com esse pensamento que saí de Curitiba sozinha com a coragem no bolso, uma mochila de lona nas costas com 1 muda de roupa, capa de chuva e as fichas para ir documentando a viagem (minha moto não tem sissy bar ou alforge) em direção a Joinville na sexta à noite para descansar e a realidade já se mostrou antes mesmo do início da aventura: o céu estava limpo, estrelado e lindo. Descendo a serra numa curva fechada na pista 1 (à esquerda), o cardam de uma carreta estourou deixando um rastro de pelo menos 15 metros de óleo e muito perigo. Por estar na velocidade da via, consegui segurar a moto e reduzir até ficar a 10 centímetros da mureta de proteção. Passado o susto, avisei no pedágio do ocorrido e segui em frente: estava ciente e pronta para o meu desafio do qual apelidei com o título desse texto: “The REAL iron butt.”


Moto abastecida, hodômetros zerados, ficha assinada pela primeira testemunha e fotos para a comprovação de quilometragem. Com o relógio marcando 05:17 parti de Joinville em direção a Curitiba e depois seguindo para Maringá e Paranavaí. A idéia do contra fluxo foi acertada: havia pouco tráfego na rodovia agilizando parte da prova. Durante boa parte do caminho agradeci a Deus e a vida pela oportunidade que vivenciava e aproveitava para pedir proteção.

São Pedro colaborou e em momento algum da viagem houve chuva ou pista molhada mas quem achar que não teve “perrengue” tá bem enganada!


Por algum motivo da qual não consigo me recordar, o roteiro estava traçado para Paranavaí, Terra Rica, Diamante do Norte, passando pelas divisas PR/SP/MS ( PR 182 – SP 613 - MS 480 – MS 276 sentido Baytaporã) ao lado das represas do rio Paranapanema e depois o rio Paraná. Até aí tudo bem... quando a luz de reserva acende e não encontro posto para abastecer (esquecendo completamente que havia um pequeno distrito chamado: primavera) e foi aí que a apreensão, nervosismo e medo tornaram-se minhas companheiras. Estiquei até a falha total do motor e parei faltando 17 quilômetros para Batayporã: literalmente no meio do N-A-D-A: era só mato e que tomou boa parte do acostamento, sinal de celular? Nenhum. Nem sinal de fumaça. Por 2 minutos deu aquela vontade imensa de sentar e chorar misturada com a solidão. Só que essa era apenas uma das consequências que EU assumi quando decidi realizar o IB. Então engoli todo o resquício de choro e mantendo a esperança de que iria sair dali, peguei alguns galhos de arvores e comecei a sinalizar na rodovia. Depois passei a sinalizar com os braços para todos que passavam por ali: carretas, carros, motos....


Foto: Fronteira PR / SP / MS- cruzando o rio Paranapanema, um pouco antes da pane seca...


Como é difícil alguém hoje em dia parar para dar um auxílio. Uma camioneta que estava em serviço encostou para saber o que tinha ocorrido, depois de 40 minutos parou um carro com uma família que viajava com destino a Cuiabá – MT (estavam voltando para casa) no qual vieram efetivamente prestar socorro. Pedi para que comprassem um pouco de gasolina, apenas para que eu pudesse chegar ao posto e seguir a viagem e fui atendida. (Apesar de não saber o nome de vocês, quero deixar registrado o meu MUITO OBRIGADA e com esse gesto consegui chegar até ao final!) Depois de 1 hora e 40 minutos de pane seca e apreensão, finalmente cheguei ao posto e abasteci.

A essa altura já tinha por mim que não seria mais possível realizar a prova, não pelo menos a Bun Burner. Chequei o tempo, quilometragem e percebi que dava sim, apertado mas dava! Uma alegria e gratidão imensurável tomaram conta do meu ser. Montei na iron e segui em frente parando apenas para abastecimentos rápidos e poucas idas ao banheiro.

Cruzando as estradas deste país com uma certeza absurda de que “logo” veria meus amigos do chapter Curitiba em São Paulo que estavam lá para evento do “carnaval do bem”, vi o entardecer chegar. Recebo uma ligação e como não entendia quem falava por conta do vento no capacete, parei a moto. Era o coronel Reginaldo, diretor da The One chapter Curitiba que a pouco ficara sabendo que havia iniciado a prova. Perguntou onde eu estava, como me sentia, que estava torcendo por mim. Pediu para compartilhar a localização em tempo real e que se precisasse de algo era só avisar. A essa altura meus colegas começavam a saber da façanha. Com todos eles em pensamento tive ainda mais força para completar a prova. Já era noite quando cheguei em Campo Grande e lá dei uma esticada maior nas pernas. Abasteci e contei ao frentista que estava realizando uma prova de longa distância. Ele ficou admirado, me perguntou se eu não estava com medo. Disse que depois da pane seca que houve horas antes, estava tranquila. Para não ter outro problema similar a esse, comprei um galão de 5 litros e pedi para que enchesse pois fui avisada que nos próximos trechos até chegar à divisa com o estado de São Paulo, poderia enfrentar dificuldades com combustível. Agradeci o conselho, coloquei a capa de chuva, armazenei o galão lacrado com cuidado na minha mochila e fui embora. Até chegar a Três Lagoas era quase uma solidão absoluta no breu de uma estrada simples e cheia de remendos, que dava a sensação de segurar uma britadeira por algumas horas, particularmente esse foi o pior trecho para mim. Parei para abastecer antes de cruzar a divisa e comecei a sentir cansaço e fome: não havia feito uma refeição decente desde o início, apenas água de coco para evitar cãibras e algumas barrinhas de chocolate para não baixar a glicose. Nada de café ou energético. Pedi um pão com queijo para a moça da conveniência, dei duas mordidas e larguei por que o estomago não aceitou muito bem. Pensei: “ – já cheguei até aqui, melhor não arriscar ”.

Depois de horas rodando, pane seca, estradas com buracos e remendos sem fim, era madrugada e já estava na parte final da prova das 1.000 milhas. Me permiti escutar música naquele momento e coloquei uma playlist para animar até a chegada. Com um sorriso dando voltas no rosto, uma felicidade que não cabia mais em mim, gritei dentro do capacete: de alivio, gratidão... era emoção pura.


Eu tive o apoio da minha noiva e dos meus amigos que mesmo receosos, deram força. Quantas pessoas tinham feito algo parecido? Quantas mulheres nessa estatística? Quantas outras até tem vontade mas falta um pouco mais de coragem? Era março e essas questões estavam em evidencia. Finalmente estava em Araçatuba: comprovante em mãos do último abastecimento, assinatura da testemunha de chegada, fotos e a alegria de ter a missão cumprida apesar dos percalços. Só me restava descansar para tentar recuperar o corpo para mais 500 milhas (fechei as 1.000 milhas mas também estava tentando as 1.500 milhas, conhecida como “Bun Burner”, se lembra?).

Antes de desmaiar na cama, repeti mentalmente: descanse o quanto precisar e se sentir bem, vá amanhã para o “bônus” das 1.500 milhas. Depois de 6 horas de um sono de pedra acordei disposta a fechar o desafio. Por conta do atraso na estrada do dia anterior, sabia que seria muito apertado e que teria de andar muito para conseguir fechar o Bun Burner. Fui fazer o check out do hotel e uma surpresa desagradável: a máquina do cartão não estava funcionando. Como eu havia entregado parte do meu dinheiro para o moço comprar a gasolina e outra parte para pedágios, não estava com o valor total na mão. Resumo da conversa: tive que ir ao banco sacar dinheiro para pagar a hospedagem. Depois de 1 hora perdida nesse inconveniente, finalmente estava de volta a estrada.



Foto da final da quilometragem. Primeira prova: concluída!


Fui seguindo o percurso planejado, andei forte e tive sorte de quase não encontrar trânsito, mas os atrasos que ocorreram antes foram decisivos para o desfecho dessa história. Por volta das 16 horas, já estava em Campinas para um abastecimento, fui checar a quilometragem com o tempo restante e me dei conta de que mesmo utilizando o tempo máximo do Bun Burner (36 horas) ainda faltariam cerca de 140 quilômetros para fechar o percurso exigido. Nesse momento liguei para a Dayse (a minha noiva) e dei a notícia: “Amor, estou abrindo mão do Bun burner por que não conseguirei completar a quilometragem no tempo exigido”. Acima de tudo, prezo pela minha vida e pela segurança. Poderia tentar correr ao máximo mas era arriscado, imprudente e não permitido pela prova. Estava cansada, com muita dor nas costas e realizada com o feito. Liguei para a Camila Magosso para dar a notícia e que iria direto para a capital Paulista. Depois de uma pequena chuva de granizo no rodoanel e chuva torrencial até a entrada de São Paulo, finalmente cheguei.

Desci da moto e dei de cara com o pessoal do HOG Curitiba, ABA e Campinas. Camila e as meninas do chapter The One correram pra me abraçar. Muita comemoração, os amigos das cidades de São Paulo e campinas não sabiam o que tinha acontecido, vieram me cumprimentar e parabenizar. Fotos feitas, emoção e felicidade a mil.

Depois de muitos, MUITOS kms: amigos!


Em agosto de 2019, no dia da mulher motociclista completei meu 2° saddle sore 1.000 MI saindo de Curitiba - PR e chegando a Cuiabá - MT em 21 horas e 59 minutos.

Foto na fronteira dos estados.


Se tem algumas coisas que a gente aprende com esse tipo de desafio é: depois de tanto preparo e planejamento, o que conta é o autocontrole: manter a mente positiva é primordial. E que é possível SIM! Sonhe, planeje, faça acontecer sem se importar quanto tempo leve para executar e acima de tudo: Agradeça sempre pelo aprendizado sob quaisquer circunstâncias. Lição valiosa para a VIDA.

Gratidão a Deus por me proteger em todo o percurso, a minha família (Dayse, obrigada pelo apoio incondicional, mesmo perdendo o sono e morrendo de ansiedade rs), amigos (em especial ao Farfud que acompanhou todo o planejamento e sempre me incentivou), chapter Curitiba: obrigada pela torcida, cooperação e apoio! Vocês são sensacionais!


Neste mês de março que traz à tona algumas questões sobre as mulheres, aos que ainda tem dúvida de que sua esposa, namorada, seja garupa ou piloto fica a reflexão e recado: INCENTIVEM! Mesmo com medo de que ela possa se machucar ou passar algum apuro. Afinal lembrem-se de que um dia TODOS vocês sentiram medo e insegurança em vários momentos no universo das duas rodas. Não estamos aqui para ser melhores que vocês. Muitas de nós começaram no mundo das duas rodas por admiração pelas máquinas e pelas pessoas que as pilotam: pais, maridos, namorados, amigos. Seja um eterno “admirador” dessas pessoas e incentivador para aquelas que estão no início da jornada: por que não se perde uma garupa, se ganha uma companheira de estrada!


Essa é a essência! Feliz mês das mulheres! E sim; #elaspilotam muito, com muita alegria e orgulho! Essa é a minha história: “Won’t stop till we’re legends.”

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