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Quando eu virei motociclista

Já passava dos trinta e tinha um bebezinho pra cuidar quando meu marido restaurou a Honda, que era do avô dele, pra que eu começasse pilotar. No dia que ele veio me contar do plano eu ri, mas deixei que seguisse porque imaginei que a restauração levaria anos, que ele se cansaria do projeto, e que eu continuaria na garupa. Mas o homem estava determinado e fez dessa restauração a missão dele durante o inverno americano de 2012/2013. Conclusão: foi na Primavera de 2013 que eu sai da garupa pra assumir o comando de uma moto e, de lá pra cá, não rolou mais garupa.

Minha história de motociclista se mistura com a minha história de Americana, e tem no Barret (meu parceiro, marido, companheiro de viagens) seu principal agente. Eu poderia te dizer que isso tudo começou em 2009, quando finalmente vendi minhas coisas, empacotei a vida no Brasil, e mudei de “mala e cuia” aqui pros EUA pra viver o meu amor. Mas é mentira. Porque quando eu vou fundo lá nos arquivos pessoais, essa história vem da década de 90, e essa Honda, ironicamente de um modelo chamado Dream, faz parte dela.

Tem coisa que entra na vida da gente pra ficar, não é mesmo?

Aqui nos EUA o processo pra tirar habilitação é diferente. Primeiro, passamos por um teste escrito, daí pegamos o que chamam de “Permit” (permissão), e com esse documento podemos pilotar ou dirigir, desde que acompanhadas por alguém que seja maior de 21 anos e com habilitação válida. A permissão tem duração de um ano, e pode ser renovada. A habilitação definitiva só vem depois de passarmos por uma prova de pilotagem, chamada de “Road Test”. Eu renovei minha permissão três vezes até finalmente ter coragem para fazer o teste. Passei.


É interessante como, no meu caso, esse papelzinho me validou enquanto piloto. Até então, eu só saia se o Barret pudesse vir junto, até porque uma moto de 1964 não é lá super confiável em não dar pane. Com a carteira eu queria ir mais longe, eu queria ir sozinha, e eu não queria mais esperar os finais de semana pra rodar.


Confiante, passei a interagir mais com outras pilotos e fui me destravando nos eventos de moto. Essa Honda é um verdadeiro imã social: basta estacionar pra colecionar curiosos e, consequentemente, fazer amizades. Mas ao mesmo tempo, a moto era uma roleta no quesito confiabilidade.



Na ordem das fotos:

1ª 1998: fazendo pose na Honda durante uma visita aos Hoover. Eu conheci a família enquanto participava de um programa de intercambio, em 1995. Barret e eu nos reconectamos 15 anos depois.

2ª 2013: Prestes a sair no meu primeiro “rolê” pela vizinhança.

3ª 2015: a satisfação no olhar de quem acabou de ser aprovada no “road test”.


Depois daquele primeiro verão habilitada, senti que estava na hora de “quebrar o cofrinho” e investir em uma moto mais nova e confiável. Queria algo que coubesse no meu bolso e com que me identificasse. Assim, na primavera de 2016, Lola, minha Harley Sportster Iron883, entrou para a família.


2016: O dia que Lola veio pra casa. Foi nesse dia que eu derrubei a moto pela primeira vez.

Dali em diante nada mais foi igual.

Foi como se um dia eu acordasse e, sem mais nem menos, tivesse asas. Sempre gostei da ideia de liberdade que um veículo nos traz, mas com moto essa sensação definitivamente é diferente.


Claro que digo isso considerando que, em minha vida, moto é um veículo de lazer e um estilo de vida, e que pra muitas outras mulheres essa relação é mais ampla. Talvez eu não gostasse tanto assim se dependesse das minhas duas rodas pra fazer supermercado, por exemplo. Ou, ainda, se rodar de moto fosse minha única alternativa pra transportar meu filho, como é pra tantas de nós. Vejo como uma questão de realidade vs. relatividade.

O curioso é que conversar e conhecer essas outras mulheres e suas histórias, só aconteceu depois que me tornei uma delas. Independente da cilindrada ou do tipo de moto, independente de nossas origens, temos um laço invisível ao olho nu. Um laço feito de gasolina, cheiro de óleo, rebeldia e dicas sobre como fazer bagagem compacta.


Irmãs de estrada: encontrar um grupo com quem pudesse dividir estrada e trocar experiências foi outro momento transformador.

Somos todas BADASS

A palavra em inglês “badass” (aqui no estado de NY pronunciamos assim: béréss) é comumente usada pra definir mulheres motociclistas. Assim como, aquelxs que quebram paradigmas, estereótipos, e vivem sua vida sem dar muitas explicações à sociedade.


Na linguagem americana, a palavra faz parte do repertório informal, e tem origem na junção de Bad (mau/má) e Ass (que traduz em português para jumento ou mula, e também é gíria para bumbum). Ao pé da letra, em português, badass deveria traduzir jumento/mula teimoso/a; ou ainda bumbum mau. Com o passar do tempo, e por apropriação da linguagem, badass virou substantivo e/ou adjetivo para uma pessoa que é corajosa, descompromissada, intimidadora, formidável, impressionante, e excelente.

Descrições que se encaixam às mulheres motociclistas. Um adjetivo que coloca de lado nossas diferenças e nos torna iguais, irmãs de estrada, solidárias, camaradas, parceiras, unidas. Basta observar um grupo de mulheres de moto para reparar na diversidade entre nós: altas, baixas, cabeludas, carecas, tatuadas, sem tatuagem, mães, casadas e solteiras, gordinhas e magrelas, aquela super fashion e a super desencanada, as que gostam de cachorro, as que gostam de gato, as que tem passarinho, algumas profissionais, outras estudantes, e por ai vamos.


Vamos mesmo e vamos acelerando. Acho que porque em algum momento entre vento na cara e um mosquito na boca, percebemos que a vida deve ser vivida e não assistida.





Gabi Hoover

Eu gosto de capacete vermelho. Sou Jornalista e vivo nos EUA com minha família há 11 anos. Ultimamente, a Honda Dream esta na oficina, onde eu e o Barret juntos temos trabalhado em sua customização e reconstrução. Estamos documentando esse processo em uma série chamada “The Dream Project” no canal do BRAMMOTO no YouTube. Um dos meus maiores desejos é rodar com as mulheres no Brasil e conhecer ainda mais suas histórias.


@gabihoover @brammoto

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