Nota: a que vos fala não é nenhuma especialista & crítica em música, aliás costumo brincar que sou café com leite de tantas bandas e artistas incríveis que (ainda) não tenho conhecimento. O intuito desta coluna é trazer assuntos da cultura pop, filmes, músicas (claro!) e vida, de forma leve e descontraída. :)
Quando a Bru me disse: "você poderia ter uma coluna no Elas falando sobre as coisas que você gosta", sentadas num restaurante que ela queria conhecer e que embarquei junto, e foi um dos nossos rolês mais aleatórios e divertidos, depois de mais uma noite especial que São Paulo sempre me proporciona, eu pensei: por que não? e cá estou. Mas quando voltei pra minha cidade e fui escrever, eu travei. Não conseguia trazer apenas um release de álbum, estava chato, e quando dei por mim não consegui não ligar a vida aqui, realmente não existe escrita sem nossas experiências pessoais - agora eu me sinto a Carrie Bradshaw no seu apartamento em NY só que com nenhum Manolo Blahnik na sapateira. risos.
Esses dias cheguei na conclusão que a cada análise sentada naquela poltrona de todas as segundas-feiras em 1 hora de conversa (e as vezes choros que não choraria em nenhum outro lugar) compreendo o peso das minhas escolhas. As consequências de ter dado tantos murros em ponta de faca que me trouxeram até o dia de hoje e o quanto as coisas mudaram nesses últimos meses.
Tenho refletido muito que desde o que consumi enquanto era criança (um alô aqui para as princesas da Disney!) e até o que por muito tempo idealizei, contribuiu para uma profunda tristeza que ainda é disfuncional na maioria dos dias. Hoje sei que quando nos sentimos diferentes, sem termos consciência do que o sentimento da rejeição pode nos causar, supridos de necessidades somente para tampar o sol com a peneira, não ensinados a lidar com a frustação, a ausência, a falta de reciprocidade, a disposição, o autovalor, a aceitação, tudo - absolutamente tudo - irá desandar quando caminharmos com nossas próprias pernas.
Hoje penso, se vier a ter filhos a coisa mais importante que posso ensinar é que estarei presente e os amarei infinitamente, mas algumas dores terão que ser sentidas. O “adultecer” precisará. E não reflito sobre isso para achar o amargo das coisas, falar o óbvio que crescer dói (porque dói mesmo), transferir a culpa, cultivar o vitimismo ou apontar defeitos; reflito e trago aqui porque somos humanos e enquanto em vida é preciso ser mais. Não existe vida sem troca, sem ser empático, sem ser alguém melhor, responsável e racional em recalcular rota - principalmente quando você já identifica que a atual não lhe cabe mais.
Foi aí que quando ouvi o tributo da Cat Power ao Bob Dylan fui levada para estas reflexões acima, com uma onda gigantesca de silêncio durante o álbum inteiro na minha mente, e quando terminei veio outra onda maior ainda, só que com muitas "eurekas" soando como trombetas, de que minha tristeza não é só por causa de um coração partido, é pelo luto inteiro de uma pessoa que eu amo muito. Por mim. Pela vida que planejei. Pela expectativa. Pelo propósito. Não sabia o porquê, nem como, nem em qual canção, mas o inconsciente tinha trazido isso à tona e como boa introspectiva que sou fiquei horas pensando nisso. Nós muitas vezes somos educadas a pensar que o amor romântico salvará nossas vidas - e não é bem assim, né? Nada germina em solo que não tem sua própria consciência e independência.
Não contente em ter atingido uma reflexão que me levou dois dias pra digerir, eu voltei a ouvir o disco e pela segunda vez ainda em silêncio, música após música, senti que o mais importante nelas é que ao mesmo tempo tem ação curativa. A mesma reflexão voltou a latejar na minha cabeça, mas agora com um sentimento agridoce, de quem estou me tornando (e da qual tenho orgulho) e que ser livre é sair da sombra do que não podemos controlar. O tempo sempre passou e eu sempre esperei, e esperar não é ação.
O álbum conta com 15 faixas que nos lembram o quanto bom letrista o Bob Dylan é (isso não podemos negar) e da apresentação em 1966 que mudou do acústico para o elétrico no meio do show, e depois disso tenho comigo que muito se mudou em sua trajetória e contribuiu permanente no gênero do rock - e metaforicamente, é o que pode acontecer com as nossas vidas de uma hora para outra. O que conheciamos pode vir há não existir mais. Não conhecermos mais. Não sermos os mesmos mais.
Já completo a sexta vez ouvindo (!!!), e penso que música e vida estão intrinsicamente ligadas. A Cat Power é de uma sensibilidade tão grande, faz com maestria, e nem as composições autorais de Dylan na sua voz me fizeram sentir cada palavra como na voz dela - o feminino tem sua força, né? (e se você tá lendo isso e sabe que ela esteve recentemente no Brasil se apresentando no show com o mesmo tributo, do qual não pude estar presente, já deve imaginar como fiquei… deveras coringada hahaha). E de todas as vezes que ouvi, sempre terminei também pensando: é uma beleza a vida continuar, mesmo com todas as cicatrizes. Algumas coisas nunca mudarão como queríamos e o que colocamos significado podemos vir a ressignificar, com amor (olha ele aqui curando!) e paciência. Como em suas letras rebuscadas e cheias de pertencimento, Dylan preza em aceitar que a vida é cíclica - e she's got everything she needs.
Quem sabe pode ressoar aí também. Escute aqui.
Cat Power por Daniel Prakopcyk
“Bob [Dylan]’s lyrics taught me how to have critical thinking, because I was always trying to figure out what he was talking about,” says Chan Marshall, a.k.a. Cat Power. Tradução: "As letras de Bob [Dylan] me ensinaram como ter pensamento crítico, porque eu sempre estava tentando descobrir do que ele estava falando”, diz Chan Marshall, também conhecida como Cat Power.
Sobre a autora
Amanda gosta de música, viagens, cinema e literatura. Formada em Letras, caiu no universo da Comunicação e Marketing por acaso, e especializou-se em Copywriting e Gestão de Mídias Sociais. Adora ver seus artistas favoritos ao vivo e não troca seus shows por nada. Carinhosamente é apelidada de Amandinha do Rock por seus amigos mais íntimos e tem um coração gigante. Seu sonho atualmente é decidir qual moto comprará e ter seu cantinho - além, é claro, de conhecer York na Inglaterra e andar pelos morros que foi filmado Wuthering Heights de 2009. PS: escrevi tudo em terceira pessoa porque acho chic, risos.
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