Por Bruna Wladyka
Hoje, o assunto será sobre o famoso Clube do Bolinha (porque só tem bola), onde 'meninas não entram', que ainda é tão presente em várias esquinas, oficinas, eventos e lugares, e que estamos cansadas de vê-los com seus topetes, tomando suas cervejas, dando gargalhadas, dando kick e colocando nitro em suas motos e compartilhando piadinhas sobre nós mulheres em seus grupinhos de WhatsApp e panelinhas que exalam testosterona por aí.
Mas por que esse texto agora, Bruna?
Primeiro, porque trabalhar no segmento de duas rodas, ver e saber de muitos bastidores sinceramente, precisa ter estômago. Mas isso também me deu olhos e ouvidos mais aflorados para comportamentos humanos, consigo ter uma percepção de como o sistema acontece e tenho observado muito mais como as pessoas se comportam no geral (aliás, eu acho isso fascinante), e também porque está chegando mais uma virada de ano pra mim e prestes a completar 34 anos, se não chutei o balde até aqui, que seja agora.
"Brincadeiras" à parte, esse texto é sério, e eu preciso falar aquilo que não conseguimos falar muitas vezes por medo, vergonha e até mesmo preguiça. Parece tão óbvio para nós, mas não para eles e elas também. Recentemente, fui impactada por mulheres que defendem a inexistência do feminismo, mesmo elas tendo suas vidas transformadas por ele. (Assunto para outro momento).
Então vamos lá!
Confesso que, em um curto momento do ano passado, realmente achei que nós mulheres estávamos sendo enfim valorizadas pelo que somos e como fazemos parte da 'cena' do mundo das motocicletas. Mas foi breve, segundos de ilusão, eu diria, para então a lucidez voltar. Ela chegou gritando na porta da razão quando percebi que um evento monta um time de influenciadores, mas que o próprio organizador coloca mulheres em disputa por espaços com o objetivo de reduzir custos. 'Ela cobra menos', ele disse, seguindo com uma cantadinha brega e barata, uma das varias que recebo diariamente.
Além disso, de forma geral, existe a estratégia manipuladora de fazer com que pessoas (mulheres) vendam mais e mais produtos ou ingressos nas redes sociais, fazendo com que alguns (homens) ganhem muito e quem dá a cara a bater ganhe pouco. Isso me causa enjoo. Daquelas coisas que você precisa ver para crer, aceitar para renunciar, viver uma vez para nunca mais viver.
O mercado é manipulador, cheio de tubarões grandes (alguns peixões que se acham também), mas o fato é que eu aprendi cedo que tubarão anda com tubarão e se você sangrar, eles vão te devorar. Aí me disseram 'você nunca pode sangrar', logo para mim, mulher, que todo mês sangro. Será que é pelo medo de se envenenarem ou se viciarem? Bom, isso também é assunto para outro texto.
Seguindo aqui, outro fato ocorrido dentro dessa linda cena Kustom, com 'k' mesmo que as vezes chamo de circo custom, foi quando fui questionada por homens por levar minha moto, uma chopper, modelo Royal Enfield Classic 500, a famosa Pikachu, em um evento na caçamba de uma picape. Fui julgada, condenada e cobrada por não ter ido rodando 700km com uma "rabo duro", com tanque de 8 litros, que não passa dos 100 km/h e que, por natureza, seu motor vibra tanto que todos os parafusos se soltam.
Aos bonitões da cena ou como estão sendo chamados carinhosamente pelo clube da Luluzinha, Zé Bostas, eu tenho uma 'bike show' como vocês gostam de falar em inglês para ficar mais 'badass', e vocês também sabem o valor que isso tem. Sem dúvidas, a minha moto é única, rara, uma obra de arte, minha paixão feita para ser exposta e apreciada por quem valoriza o trabalho da customização. E isso se repetiu uma, duas, três vezes, até se tornar tão cansativo que me fez escolher melhor os lugares onde me sinto bem e onde quero compartilhar meus momentos, meu respeito e expor minha moto.
Bom, depois desses episódios e com minha mudança para São Paulo, veio um turbilhão de muitas fofocas, falas, mensagens, prints, comentários, indiretas, diretas, incômodos, olhares, aprovações, desaprovações sobre mim, sobre minhas amigas, sobre mulheres de todos os estilos e gostos.
Sempre nos questionando: Como assim elas estão chamando tanta atenção? Como assim elas estão dando seus roles sozinhas? Como assim elas têm suas motos compradas com seu próprio dinheiro? Como ela pode andar com essa roupa? Como assim elas estão nos dando atenção e sendo simpáticas sem abertura para segundas intenções? Muita tatuagem, roupa muito curta, escandalosa, agressivas, expansivas, estão bebendo demais. São legais, divertidas, simpáticas, gostam de dançar, respiram, comem, vivem. SIM, [SOBRE]VIVEMOS
E mesmo assim, continuamos sendo julgadas e analisadas de todas as formas, com ou sem moto, dentro ou fora de casa, sozinhas ou em grupo, solteiras ou casadas. Ainda passamos por aprovação para fazer parte ou não, ir e vir, entrar ou sair, arrancar ou não. Precisamos ter duas bolas então?!
Como a vida não para e, definitivamente, não tenho tempo para lamentar, mas sim para continuar lutando pelo nosso espaço e direito. Já que tenho uma exposição aqui, e ela custa caro, vou fazer valer cada moeda. Então, se querem realmente apoiar o motociclismo feminino, apoiem e nos respeitem de igual para igual. Recebam as mulheres como vocês recebem 'seus irmãos' de clube, olhem para as mulheres como vocês olham para seus parceiros de estrada. Apenas nos tratem com o respeito que você trata outro homem, sem mais nem menos. Porque enquanto isso não acontecer, não estarei apoiando, divulgando ou sequer indo em lugares que falam uma coisa na internet, mas agem de forma totalmente diferente. Chega uma altura da vida em que você conhece tanto o seu propósito e sabe até onde ir e onde será bem-vinda.
MENINAS PODEM ENTRAR SIM!
TEM MOTO DE MULHER, TEM MARCA DE MULHER, TEM ARTISTA MULHER, TEM MULHER PILOTO, TEM MULHER MECÂNICA, TEM MULHER DJ, TEM MULHER TATUADORA, TEM MULHER NA CENA EM GERAL DE DUAS RODAS, TEM MULHER EM TODOS OS LUGARES SIM.
SOMOS VÁRIAS, SOMOS MUITAS.
ELAS ESTÃO EM TUDO!
Só não nos sentimos pertencentes ainda disso tudo. Porque no final, as conversinhas, as piadinhas, as comparações, o julgamento ainda existem. Então, homens, apenas parem de fazer isso, não faça e não deixem o seu amigo fazer. Nos vejam de igual para igual, e não como uma atração, como um divertimento, como um corpo, arroz de festa, enfeite de prateleira. Eu posso andar com a mesma moto ou uma maior que a sua, eu posso ficar com mais pessoas que você em uma noite, tomar mais whisky e cerveja que você, ganhar mais dinheiro que você e tá tudo bem. Não deixe seu ego falar mais alto e me desrespeitar. O seu ego está sendo seu pior inimigo.
E para você, que se identificou de alguma forma com esse texto, saiba que estou aberta para conversarmos e fazer da nossa cena uma referência em respeito e igualdade. No final das contas, o Bolinha só queria a Luluzinha sempre por perto, até acho que ali existia amor. Ele só ficava assustado com tanta esperteza, espontaneidade e alegria dela.
Sobre o desenho da Luluzinha e o personagem Bolinha:
Das histórias de quadrinhos para a TV, a Luluzinha - Little Lulu, em seu título original - foi criada pela cartunista Marjorie Henderson Buell em 1935. Esperta, teimosa e muito simpática tem o Clube da Luluzinha com suas amigas. A história dessa turminha foca em Luluzinha sempre ajudando os seus amigos em suas peripécias, não importa qual e principalmente o Bolinha - que ironicamente é líder do grupo de meninos que tem como o lema “Meninas não entram” mas sempre recorre a Lulu.
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