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Atualizado: 13 de nov de 2020
Texto e fotos por Cath Pescinelli
No último sábado, 31 de outubro, parti do Litoral Norte em direção a Sorocaba/SP. Duzentos e oitenta quilômetros depois, cheguei à cidade que também é sede do Lucky Friends Rodeo — evento anual de cultura custom que representa a cena brasileira com legitimidade caipira, fazendo bonito frente a eventos internacionais do mesmo porte. Deixei minhas malas no hotel e fui direto para a pista. A partir daqui conto o que vi e explico melhor sobre esse tipo de evento, que é novidade pra muita gente. Vem comigo!
A competição profissional em pista oval de terra — Flat Track — tem seus primeiros registros no início do século XX nos EUA, porém não é exagero dizer que, mesmo antes, onde houvesse uma motocicleta e um pedaço de terra plano em uma fazenda, lá estaria um circuito oval. Apesar disso, a Grande Depressão Americana e a Segunda Guerra Mundial desaceleraram a evolução do esporte até os anos 1960, quando a contracultura e o motociclismo explodiram e criaram as referências que conhecemos até hoje. Nesse momento, além das precursoras americanas Indian Motorcycle e Harley-Davidson, entraram em cena montadoras de outros países, como a britânica Triumph e a japonesa Yamaha. Pelo movimento do mercado, o esporte ia tomando corpo. Depois de muitos altos e baixos ao longo das décadas vemos hoje o Flat Track mais uma vez ganhando a notoriedade que merece.
Com seu jeito de antigamente misturado à habilidade profissional de seus competidores, o esporte é garantia de divertimento ao espectador, que fica com o coração na mão a cada volta — como eu fiquei.
Nas 24 horas anteriores à primeira bandeirada, a energia dos bastidores era agitada, barulhenta: teste e ajustes de motores, correria generalizada, gritos de comando entre membros das equipes e risadas. Era o momento de ter as máquinas prontas, com sorte. Além de categorias mais tradicionais como a Sportster, o evento contaria com corridas de minimoto à fantasia e motos antigas — algumas delas com mais de 70 anos de vida, como é o caso da Flathead 1946 com câmbio suicida (embreagem no pé e marcha na mão) que seria pilotada no dia seguinte por Edna do Prado. Edna estava acompanhada pelo irmão e pela mãe, que me mostrou uma foto onde ela pilota a mesma moto anos atrás, cabelos aos ventos. Já era final de tarde, e estávamos todas ansiosas para o dia seguinte.
Era o meu segundo dia no campo de provas, o Lucky Friends Arena. Hoje a energia era completamente diferente: a concentração dos pilotos era contagiante e trazia sensação de paz. Alguns, deitados no gramado, já estavam cobertos de poeira vermelha dos treinos; outros se vestiam calmamente. Bruna Wladyka, piloto da categoria FT411, correria com os homens. As categorias não possuem divisão por gênero e Bruna vem treinando há meses.
Está pronta.
Agora sim, motos na área de concentração, e a largada está próxima. Depois disso a emoção tomou conta pelas quase 5 horas de evento que se seguiram. Bruna, primeira piloto brasileira de Flat Track, estava com garra e vontade, e em uma das curvas, ao buscar ultrapassagem em cima de Seku Mello, os pneus se tocaram e Bruna caiu. Já fora da pista e sem lesões, as lágrimas eram de frustração por não ter conseguido terminar a prova.
“Eu estava pronta, passei por uma preparação e mudança grande na minha vida. Infelizmente, em uma competição tudo pode acontecer, e ao tentar ultrapassar uma moto na última volta tive uma queda. A queda foi para mim um mergulho definitivo no Flat Track. Comecei e não largo mais, que venha muito treino e preparação pela frente”, conta Bruna.
Edna Monteiro e sua Flathead ’46 também não terminaram. Ao conversar com ambas percebi que, mais que frustração, ficou a sede de continuar no esporte.
Além das categorias mais tradicionais, o On Track contou com uma corrida maluca de minimotos com os pilotos fantasiados. A inclusão dessa categoria reforça o conceito de entretenimento do evento, e nos dá a lição de que além da competição, a diversão é um componente muito importante. Gisele Favaro, produtora de conteúdo e empresária, tem a personalidade perfeita para a corrida maluca, e lá estava ela:
“O On Track veio pra ficar! Um evento ousado e inovador que tirou todo mundo da zona de conforto para trazer diversão em tempos estranhos. Foi um prazer participar desse novo conceito de evento e uma honra representar a mulherada na corrida de minimotos, que é uma atração danada de divertida. De tão bacana que foi, já penso em competir em alguma categoria oficial na Flat Track de 2021”.
Sabe que até eu fiquei tentada?
Bruna Wladyka — que além de piloto é cofundadora do BMS — me contou um pouco mais sobre a concepção do evento nesse momento delicado em que vivemos e a importância da corrida para a cena nacional.
“Quanto ao evento, foi [algo] único. Além de conseguir fazer algo assim no meio de uma pandemia, com certeza o dever e a promessa de fazer a galera sentir a poeira em casa foi cumprida”, diz orgulhosa. “O On track deu um salto para o crescimento do Flat Track no Brasil, e sem dúvida vem muita coisa boa para o próximo ano, colocando a modalidade no Brasil na rota mundial das competições”.
Na sua primeira edição e em um ano difícil, o evento já se provou um importante cenário de fomento ao investimento em esportes e entretenimento por grandes marcas, além de atrair alguns dos nomes mais relevantes do custom, Flat Track e atletas profissionais — nacionais e internacionais. Aqui fica meu agradecimento a todos os envolvidos e meu desejo de vida longa ao On Track e ao Flat Track no Brasil. ✌️